Você quer ser um sapo que vive dentro de um buraco ou um sapinho sapeca?
Rede SACI
04/02/2004
Jaqueline Oliveira Moreira faz a relação entre uma fábula e a pessoa com deficiência
Jaqueline Oliveira Moreira*
Um dia, um sapo, ingênua e inadvertidamente, caiu
num buraco. Poft! E ali ficou. Era razoavelmente amplo, tinha água, era
escurinho, aquecido, livre dos perigos, havia o necessário para sua
sobrevivência, enfim, era um mundo maravilhoso aquele buraco!
O tempo foi passando, o sapinho transformou-se em um
sapão. E um sapo gordo, inchado, e numa zona de conforto, daquela que
ele pediu a Deus. Num certo dia, ele acorda em meio a um barulho
estranho e novo para o mundo em que vivia: um bicho estranho e meio
peçonhento caiu bem perto dele.
"- Ué! Quem é você!" - pergunta ele, assustado.
"- Sou um sapo, ora!" - responde o estranho visitante.
"- Mas sapo sou eu!" - questiona o habitante do buraco.
"- Meu amigo, existe milhares de sapos no mundo lá fora." - retrucou o outro.
"- Mundo lá fora?! Como assim?" - indagou o dono do buraco.
"- É, meu amigo... O mundo lá fora é maravilhoso. E uma das coisas
que faz com que ele seja mais maravilhoso ainda, são umas criaturas
especiais, razão maior da nossa vida de sapo: as sapinhas. Além disso -
continuou ele - é magnifico o entardecer, quando ficamos todos juntos,
cantando nas lagoas e nos alimentando dos mosquitos que voam
desgovernados.
"- Lagoa?! Mosquitos?!" - mais surpresas para o velho e acomodado sapo.
"- E tem mais: quando anoitece, é lindo o céu de estrelas!" - ressaltou, romanticamente, o sapinho sapeca.
"- Epa! Aí você me paga. Eu, também, todas as noites, consigo
contar, quatro a cinco estrelas vistas daqui de casa." - gabou-se o
acomodado.
"- Pois é, meu amigo. Aí que está a nossa diferença: eu posso contar, aliás, nem posso, pois são milhões e milhões de estrelas!
E, assim, o sapinho sapeca foi dissertando sobre as belezas e vantagens do mundo lá fora.
"- Por outro lado, tem um bicho terrível, com o qual
precisamos ter muito cuidado, e que não tem conhecimento do quanto somos
úteis no processo de equilíbrio do meio-ambiente. Quando a gente menos
espera ele chega, de repente, e cutuca a gente, e a gente rola, rola que
parece uma bola murcha! Joga sal no nosso dorso, coloca álcool em
nossas costas, e depois (ai!) ateia fogo, e a gente sai pulando,
pulando, no desespero das labaredas queimando o nosso corpo. É o
bicho-homem. Além dele, tem outro bicho traiçoeiro, peçonhento, com o
qual precisamos estar sempre em alerta: as cobras. Mas é bom. Bom, não, é
maravilhoso viver e amar nesse mundão todo lá fora! Bem, tá ficando
tarde; eu vou dar um pulinho e continuar meu passeio.
" - Pulinho?!" - surpreendeu - se, mais uma vez, o sapo do buraco.
"- Sim, meu amigo. Sapo pula. E, a propósito, você não gostaria de ir comigo?"
"- Pensando bem, com esse negócio de homem, de cobra... Desses
perigos todos que você falou, acho melhor não. Prefiro ficar por aqui.
Pelo menos, aqui eu já sei que tá bom. Pode ir. Eu tô muito bem aqui.
A fábula "O Buraco, o sapo e o sapinho sapeca" foi extraída do livro "SOS: dinâmica de grupo", de Rose Militão Albigenor
Podemos trazer essa fábula para o cotidiano das pessoas com
deficiência. Ela conta a história de um sapinho acomodado. Pode-se dizer
que, muitas vezes, as pessoas com deficiência são assim também, até por
causa da família.
A família cuida tanto desse indivíduo que não sabe o
quanto o prejudica. Eles esquecem que ali há um ser humano, que tem
sentimentos e precisa conhecer a vida. Não adianta proteger tanto. O
deficiente precisa sair de casa, aprender a ser mais independente, já
que, na vida, só aprendemos quando erramos. Além disso, ele deve sair,
se divertir, estudar, e conhecer o mundo lá fora; não ficar trancafiado
em sua casa, apenas na frente do computador ou assistindo TV, vivendo
uma vida de ilusão.
Muitas vezes, a família põe a culpa de todos os seu
problemas na pessoa com deficiência, como se ela fosse uma pedra no seu
caminho, que sempre vai precisar de alguém. É justamente por isso que
trago essa fábula para ser questionada. Será que essas pessoas não podem
amar, sofrer, errar? Eles são tão protegidos que quando querem sair
dessa redoma de vidro, não conseguem, já que estão super tão acomodados.
É a partir desse momento que precisamos lutar pela nossa independência
em relação à família, e não aceitar os obstáculos que a sociedade
coloca. Temos que esquecer aquela velha história do: "não saia na rua,
alguém pode te maltratar", porque é por meio do convívio social que
iremos nos adaptar a nossa vida e poderemos, a cada dia que passa,
mostrar que somos capazes, mesmo que tenhamos um pouco de dificuldade.
Não há nada que nos impeça de viver.
* Jaqueline Oliveira Moreira é estudante de Psicologia e
deficiente física. Se você quiser entrar em contato com ela, mande um
e-mail para minerinhajom@yahoo.com.br.